A Madeira, conhecida como pérola do Atlântico é uma ilha com paisagens fabulosas que os homens admiram, porque ainda não há obra humana que consiga igualar a da natureza. De facto, entre os verdes dos campos, as cores das mais variadas e raras espécies florais, o azul do mar e as sombras das montanhas, encontramos o que faz desta paragem no meio do oceano, algo de paradisíaco. Até há poucas décadas atrás, era difícil deslocar-se na Madeira. A alguns sítios só se chegava por mar. Foi assim que os corajosos Irmãos que vieram a fundar a Casa de Saúde S. João de Deus encontraram esta terra.
Não nos detendo demoradamente sobre a Quinta do Trapiche, importa mencionar que esta aparece referenciada ao séc. XVIII, tendo pertencido à família Gouveia que, nela, edificou uma casa solarenga.
Em 1907 a sua proprietária, D. Maria Paula Rego, tinha prometido ao Senhor Bispo do Funchal, D. Manuel Agostinho Barreto, oferecê-la à Ordem de S. João de Deus, para que os Irmãos viessem fundar uma Casa de Saúde para doentes mentais. Quando os Hospitaleiros, contactados pelo Bispo, vieram à ilha conversar com a senhora, esta informou-os que havia mudado de ideias. De facto tinha sido influenciada por alguns membros da maçonaria nesse sentido (haviam-lhe falado do perigo de aumentar o jesuitismo na Madeira).
Em 1920 Os Irmãos Elias Pereira de Almeida e Manuel Maria Gonçalves voltaram a esta ilha porque se discutia na Junta Geral a possibilidade de a Ordem de S. João de Deus tomar a seu cargo o Manicómio Câmara Pestana. A polémica foi acesa e nada se conseguiu. Os Religiosos regressaram ao Continente, como em 1907, sem qualquer sucesso. Estando o Senhor Bispo do Funchal disposto a ceder aos Irmãos a parte da Quinta do Trapiche que havia sido doada pela Senhora Maria Paula Rego à diocese, a 22 de Fevereiro de 1922 embarcaram para o Funchal os Irmãos António Maria Rodrigues (madeirense) e Manuel Maria, que viria a ser o primeiro Superior da Casa de Saúde do Trapiche. Com o pretexto de irem fazer um peditório para o Telhal, foram estudar a possibilidade de fundarem a instituição.
O primeiro doente foi internado no dia 19 de Outubro de 1923. No dia 21 de Maio do ano seguinte, a Casa de Saúde do Trapiche recebeu trinta e oito doentes, homens que se encontravam no Manicómio Câmara Pestana. De facto, na véspera tinha sido efetuado o contrato entre a Junta Geral do Distrito do Funchal, entidade de governo próprio da Região Insular da Madeira e a Casa de Saúde S. João de Deus, segundo o qual os Irmãos se comprometiam a receber os doentes do sexo masculino do Manicómio, bem como todos os que a referida Junta Geral enviasse.
O pagamento efetuado comprometia os Irmãos a satisfazerem todos os encargos com a assistência dos doentes internados.
À época, os acessos eram difíceis e a Casa de Saúde do Trapiche situa-se numa alta colina. Os doentes foram transportados de camioneta até onde era possível. Os que podiam, subiram a ladeira a pé. Os outros transpuseram tão íngreme caminho às costas dos Irmãos de São João de Deus que os receberam. Cabe fazer uma referência ao Dr. João Francisco de Almada, que de forma empenhada contribuiu para a fundação da Casa de Saúde S. João de Deus, tendo sido o seu primeiro Diretor Clínico, até ao seu falecimento, desempenhou estas funções como voluntário, sem qualquer tipo de remuneração.
No dia 10 de Agosto de 1924 foi inaugurada oficialmente a Casa de Saúde S. João de Deus, tendo sido celebrante da Eucaristia o então Provincial, Padre Juan Jesus Adradas (Irmão espanhol) e efetuado a homilia o Bispo do Funchal, D. Manuel Pereira Ribeiro. Não pode deixar de se sublinhar o quanto era difícil, à época, a vida no Trapiche.
A pobreza em que os Irmãos viviam, a distância a que se encontravam de tudo (para irem à cidade do Funchal tinham que ir a pé por atalhos, já que os carros não chegavam lá acima), a falta de água potável. Enfim, foi o povo madeirense que, em verdadeiro exemplo de solidariedade, muito os ajudou.
As romagens e os donativos que traziam, a oferta de nascentes de água acima do Sítio do Trapiche, tornaram possível que a obra continuasse, que os doentes fossem bem tratados e que os Irmãos se sentissem felizes na vivência da Hospitalidade nestas paragens. O povo Madeirense foi generoso para com os irmãos S. João Deus, tendo contribuído com recursos importantes para que eles multiplicassem os dons que queriam partilhar na opção de vida que haviam feito: o amor, a caridade, a dedicação e a entrega ao alívio do sofrimento. Os materiais para as primeiras edificações foram transportados às costas porque não havia qualquer alternativa; faltavam as estradas e os terrenos eram muito inclinados.
A título de curiosidade refira-se que o número mais elevado de doentes que chegaram a habitar esta Casa de Saúde foi, em 1976, de quinhentas e seis pessoas internadas.
É desejo de todos que a Casa de Saúde S. João de Deus continue a ser digna da sua história e da obra dos Irmãos que nela trabalharam, e nos e nos que hoje lhe dão continuidade, Irmãos, colaboradores, voluntários e benfeitores.