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  • Um Testemunho de Amor ao Próximo no Dia da Vida Consagrada

    02 de Fevereiro de 2025

    No Dia Mundial da Vida Consagrada, entrevistámos o Irmão Vítor Lameiras.

    Numa conversa inspiradora, o Irmão Vítor reflete sobre o que significa dedicar a vida a Deus e ao próximo através do carisma da Hospitalidade. Partilha connosco os desafios e as alegrias de uma vida consagrada marcada pela missão e pelo serviço aos mais necessitados e fala-nos também do novo desafio como formador no Noviciado Europeu.

    Uma entrevista que celebra a entrega e a dedicação características da vida consagrada.

     

    Como definiria a vida consagrada a um leigo?

    A vida consagrada pode ser descrita como um chamamento de Cristo, de Deus, para dedicar a vida a uma causa, através de um chamamento carismático. No meu caso, senti-me chamado à prática da Hospitalidade, inspirado pelo modelo de São João de Deus. Em outras formas de vida consagrada, esse chamamento pode estar relacionado com áreas como a educação ou a evangelização. Nós, os Irmãos de S. João de Deus, somos consagrados à Hospitalidade, ao serviço dos doentes e dos que mais necessitam.

     

    Como descobriu a sua vocação?

    Foi um caminho longo. O meu primeiro contato com os Irmãos de S. João de Deus, aconteceu aos 17 anos, através da Juventude Hospitaleira, que é organizada em conjunto com as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus. Ao participar nestas atividades, fui fazendo formação e crescendo na fé e percebi que Deus me chamava.

    Inicialmente, pensei que esse chamamento seria para viver a Hospitalidade enquanto leigo, já que um dos meus desejos era casar e formar uma família. Por isso, as minhas primeiras respostas ao chamamento foram hesitantes. Na altura, não me via a seguir o caminho da vida consagrada.

    No entanto, sentia também uma forte motivação para participar em missões solidárias. Em 1995, tive a oportunidade de integrar uma missão dos Irmãos em Moçambique, onde permaneci durante um ano. Foi durante essa experiência que Deus me falou mais forte, chamando-me a abraçar a vida religiosa como Irmão. Em 1996, no final da missão, pedi para entrar no postulantado.

     

    Sente que este caminho de consagração é um caminho de felicidade?

    Creio que nenhuma escolha de vida — seja a vida religiosa, o casamento ou outra forma de compromisso — realiza plenamente todas as nossas aspirações ou ideais.

    Deus vai respondendo àquilo a que nos vamos comprometendo, ao que desejamos e sonhamos com um grau de felicidade para que possamos continuar a trilhar o nosso caminho e, é isso que me tem acontecido.

    Posso dizer que a realização mais plena da minha vocação foi a missão de dez anos Timor-Leste. Participei no início da presença dos Irmãos no país, e foi um período de muita gratificação e felicidade, apesar da exigência e das dificuldades. Foi um período muito feliz da minha vida, onde acredito ter realizado plenamente a minha vocação enquanto Irmão.

    Hoje, continuo a viver a minha vocação diariamente, procurando ser fiel ao que Deus me pede. E isso implica ter momentos bons e outros mais difíceis. Deus compensa-nos ao ser uma ajuda para aquelas pessoas a quem a vida trouxe muita infelicidade e muito sofrimento. Quando conseguimos aliviar o sofrimento de alguém, ajudá-lo a reerguer-se e a recuperar a alegria, também nós sentimento alegria, porque, como dizia São João de Deus: "O bem que fazemos ao outro é feito, primeiro, a nós próprios." Logo, fazemos o bem a nós, fazendo-o ao outro.

     

    Qual será o seu papel no Noviciado Europeu?

    Irei integrar a equipa formativa de Irmãos responsáveis pela formação dos noviços. O pedido surgiu dos Provinciais da Europa durante o último Capítulo Geral e eu aceitei-o como uma missão. Embora não esperasse esta função nesta fase da minha vida, aceitei o desafio com espírito de serviço. Eu gosto da área formativa e se entendem que, sobretudo pela experiência adquirida ao longo dos anos, posso contribuir positivamente na formação dos novos Irmãos, darei o meu melhor.

    O papel do formador vai além do ensino sobre a história da instituição ou sobre as constituições da Ordem. O mais importante é o testemunho de vida. É fundamental que os formadores demonstrem, com a sua prática e vivência comunitária, o verdadeiro espírito de Hospitalidade. Essa vivência será reforçada pelo trabalho num centro de acolhimento de migrantes de Lombarda-Venta, junto ao Noviciado, o que proporciona aos noviços um contato direto com a missão da nossa Ordem.

     

    Existem diferenças do seu noviciado ao noviciado de hoje?

    Sem dúvida, os contextos mudaram e isso reflete-se nos jovens que chegam ao noviciado. Mas a diferença não está no caminho que trilhamos, pois, a essência da vida religiosa, com os seus fundamentos e exigências, permanece constante. Na verdade, talvez tenham acontecido mais mudanças na vida religiosa no meu tempo de noviciado do que agora.

    Os votos de pobreza, castidade, obediência e Hospitalidade continuam a ser o alicerce da nossa consagração e devem ser assumidos com seriedade. Podemos estar com Hábito ou sem ele, o Hábito não é influente, mas identifica-nos quando o vestimos.

    Eu sinto que a nossa sociedade, essa sim, mudou bastante tornando o trabalho do formador mais desafiante. Os jovens chegam com uma grande liberdade pessoal e quando lhes dizemos que têm de controlar o uso do telemóvel, que têm de ser respeitosos e obedientes relativamente às decisões dos superiores, exige de nós um trabalho muito maior para os fazer acreditar na importância destes princípios. Por exemplo, obediência não significa obedecer, é o princípio de estar disponível.

    Não podemos controlar o uso do telemóvel, a pessoa tem de ser responsável e perceber que o tempo dedicado ao telemóvel pode afastá-los do convívio, da escuta e da vivência comunitária. A sociedade é individualista e não podemos deixar que a vida religiosa seja imbuída desse contravalor.

    Apesar disso, acredito que quem chega ao noviciado já fez um caminho significativo e tem uma noção inicial das exigências da vida consagrada. O noviciado é, acima de tudo, um tempo de encontro profundo com Deus. É esse encontro que motiva o noviço a abraçar, de forma autêntica, os valores e votos da vida religiosa.

     

    Qual é o papel dos consagrados na Igreja?

    Na Igreja, os consagrados são muitas vezes a linha da frente na resposta às necessidades mais urgentes. Pela sua disponibilidade e ausência de compromissos familiares, têm maior liberdade para atuar em zonas de fronteira, sejam elas no campo da Hospitalidade, da evangelização ou da educação, sobretudo em contextos de maior carência ou dificuldade. Por exemplo, nós, os Irmãos de S. João de Deus, estamos presentes em situações de guerra e pobreza onde é necessário iniciar o acompanhamento na área da saúde mental e outras necessidades de saúde. Somos essa linha da frente da Igreja.

     

    E na sociedade?

    Na sociedade, o papel dos consagrados é ser uma referência viva dos valores do seu carisma. No meu caso, enquanto Irmão de S. João de Deus, o meu testemunho deve refletir Hospitalidade, mostrando que é possível viver de forma diferente, com simplicidade, solidariedade e serviço ao próximo.

     

    Como vê o futuro da vida consagrada?

    A vida consagrada está a mudar. As vocações são poucas e os consagrados têm de lidar com uma enorme quantidade de pedidos e desafios aos quais é difícil de responder. Apesar disso, acredito que a vida religiosa continuará a existir, mesmo que num formato mais reduzido, como "pequenas ilhas" de testemunho profético e místico.

    Como dizia Karl Rahner, “o cristão do futuro ou será místico ou não será cristão”. Os consagrados terão de mostrar, com a sua vida, que é possível resistir aos contravalores da sociedade, como o individualismo e o consumismo, oferecendo um modelo alternativo centrado no amor ao próximo e no serviço.

    Apesar das dificuldades, mantenho a esperança no futuro da vida consagrada.

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